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Livros que inspiram releituras e novas obras

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O PNLD – Programa Nacional do Livro e do Material Didático foi um programa criado no ano de 1985 e visava a disponibilizar aos alunos da rede pública o material didático para uso escolar. Este programa foi aprimorado a partir de 1995 e, em 2017, unificado com o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), tornando-se PNLD literário. 

O Instituto Federal Catarinense aderiu a este programa e recebe dois exemplares de obras literárias e/ou didáticas para cada aluno da educação básica. Os livros recebidos foram escolhidos pelos professores para serem utilizados em sala de aula. Além disso, o PNLD literário também prevê a chegada de 50 livros para cada ano escolar e renovação do acervo da biblioteca escolar.

Em Araquari, no ano de 2019, os alunos dos terceiros anos receberam o livro “Elas por Elas”, uma coletânea de histórias de mulheres contadas por grandes escritoras brasileiras, organizado por Rosa Amanda Strausz. Para trabalhar com esta obra em sala de aula, a atividade proposta  aos terceiros anos do Curso de Informática e do Curso de Química, pela professora de Língua Portuguesa, Luci Schmoeller, foi uma produção escrita que abordasse a reflexão que a leitura de um ou mais textos suscitou. De acordo com a professora, “o resultado foi uma chuva de textos bem elaborados e com profundas reflexões acerca da vida, da mulher, do amor e muito mais”, comentou Luci. 

Nesse contexto, a docente orientadora destaca dois textos em especial:

A professora Luci exaltou o comprometimento da maior parte dos alunos com a atividade e pontuou que esses dois textos contribuíram especialmente para a discussão dos temas e para o incentivo à leitura.

Veja, abaixo, os textos que receberam destaque: 

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Amores que se transformam. (Rafaela Vicente de Lima)

Será que disseram que era amor quando alguém sentiu uma pontada no coração, borboletas sambando no estômago e a mente voando no céu? Ou será que alguém disse isso quando percebeu que esquentava o café todo dia de manhã, às 6h, fazia 25 anos?

Talvez tenha sido amor quando alguém olhou o sorriso brilhante num vagão de trem e só pegou no sono quando sonhou com o casamento? Mas, quando de fato, na nossa existência, alguém disse que duas pessoas no mundo eram amor, juntas?

Depois disso, o amor podia ser classificado em intensidade? Em tempo? Duração? Validade? Intenção? E se o amor fosse só pra ser bom? Mas, e se ele tivesse de ser ruim para no fim se transformar e ser outra coisa mais madura e bonita? 

Nem sempre ele ia dar certo, né?

O amor talvez seja isso: transformação. Você se vê amando alguém porque ele tem o sorriso amarelo mais solar que existe, um cheiro de pitanga gostoso e uma marquinha nas costas vindo da genética da família e, depois de meses, isso vai virando outra coisa, é um amor mais maduro. 

Percebe-se que não dá para tomar sorvete de flocos todo dia e é preciso pagar a conta de luz. Você precisa mandá-lo(a) escovar os dentes e até procura um médico para avaliar aquela marquinha. Você ainda ama cada característica, mas elas não são mais únicas e você sabe. Você descobre até porque elas existem. Ainda é amor, mas não aquele que fez o coração ferver no inverno de Santa Catarina, é um amor mais caridoso e maduro.

Mas, o amor pode virar um amor solto no ar, ficar acumulado como as gotas d’água nas nuvens, ele existe, só não pertence a ninguém. Um dia vocês se encontram na rua e o cheiro é o mesmo, os olhos castanhos-mel e a mania de fechar os olhos para sorrir, mas as vontades são outras. Agora ele(a) acha filme dublado horrível, prefere Europa à América Latina, acredita que nem para o Flamengo torce mais? Irreconhecível. Mas, teu amor já o conheceu. Não são inimigos. Nem estranhos. Só não são mais duas pessoas juntas no mundo e o acúmulo de amor solto no ar um dia precipita e chove na cidade.

Todavia, é um fato que, nas relações de amor, sempre tem um que ama mais e fica louco tentando deixar isso claro. Faz de cada mês uma festa de bodas, chama a família e contrata um avião para atirar pétalas de rosas. Coitadinho. Não faz por mal, sabe? 

Mas, os excessos de alguns existem para suprir a falta de outros e nisso eu falo com propriedade: tem gente que nasce para amar mais. Nasce com o coração, com a chama que arde sem se ver, como dizia Camões. Nasce vendo, em cada casal, um conto de fadas e acredita que todo mundo tem seu par nesse mundo, mas descobre que nem sempre eles ficam juntos até o fim, afinal, o amor se transforma. Mas, este que nasce amando demais sempre percorre o percurso de quem quase nunca se arrisca a amar, que quase nunca sai da sua zona de conforto e que sempre detestou esse papo da metade da laranja, e fez questão de comer sua parte pra não ter perigo de atravessar a rua e dar de cara com a metade lá. O mais atrai o menos, isso é um fato e uma lei da Física. O pequeno é atraído pelo grande e, geralmente, isso causa guerras, gritaria e feridas quando sai do equilíbrio; o pequeno sai destruído e mais frágil do que já é, enquanto o grande nunca leva a culpa na bagagem. Mas, isso se transforma. O pequeno ainda pode virar grande e o grande entender que o amor é para quem tem coragem e não poder.

A gente vai existir e não vai escrever tudo sobre o amor e eu acho que nem devíamos, vamos esquecer de alguém. De um olhar. Um chamego. Um aperto. O amor é abrangente e é isso que o torna tão incompreensível, como duas pessoas juntas podem sentir algo tão imenso? Como duas pessoas juntas podem fazer dos seus dias uma eterna constância de permanecer? Partilhar o tempo que lhes falta? Doar o tempo que sobrar e chorar por aquele que se perdeu? E, para piorar, ele se transforma: deixa de ser da gente, deixa de ser quente, deixa de ser o que era, mas não deixa de ser o infeliz do amor; como um pingente no pescoço, a gente carrega cada amor que se viveu e cada átomo nosso absorve um pouco de cada um que se amou pra fazer a gente ser todo amor que já sentimos. 

A vantagem é que por poder se transformar, nossas células se regeneram e não ficamos velhos para o amor. Somos jovens. Para sempre. 

Inspirado em “Amor” de Rachel de Queiroz.
“O pequeno e o grande” e “Não pode dar certo” de Adriana Falcão.

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Elas por Elas. (Victor Hugo Azevedo Nass)

Falaram-me para discorrer sobre este livro, então farei as palavras por assim escorrerem sobre a folha como a água e o tempo o fazem pelas minhas mãos.

Não me atenho tanto aos dilemas da jovem Alice, mas sim à existência complexa de Dona Romana, por pura lembrança de uma viagem de metrô, com uma senhora e um senhor de Copacabana, eram muito bem humorados, conversávamos como se fôssemos conhecidos, mas eu apenas perguntara se algum dos dois não desejava sentar-se. Confesso que foi uma conversa curta, de no máximo três estações, mas de muito valor, valor aquele que só se ganha como presente da complexidade da experiência vindoura dum tempo além do nosso.

Preciso fazer outra confissão, o que realmente me chama a atenção são os assuntos do coração, não nego, sou um fã de Vinicius e Jobim, Gilberto e Chico, Tim e Nascimento, mas gosto mais do síndico. Amo o amor, não aquele da mulher- criança de Pagu – e ah! Que desgraça a de Pagu, que nunca foi realmente amada –, não aquele amor jovem ou perigoso, aquele amor inalcançável, aquele amor que “não pode dar certo”, aquele no qual se constroem os castelos, os sonhos. Enfim, aquele que “o amor não usa palavras raras, ele torna palavras raras” ou aquele que “é preciso amar como se isso fosse possível”.

Mas é claro que “Elas por Elas” não se trata só de amor, não quero deixar de
lado as provocações de Livia Garcia-Roza, que coloca que “somos o que
esquecemos”, ou deixar de lado as bonecas Russas da tão educada Rachel de Queiroz e tantas outras belezas desse livro, mesmo por me deter ao drama do grande ou pequeno de Adriana Falcão ou seus devaneios sobre o futuro do pretérito.

“Elas por Elas” é dar voz a elas, que são tão silenciadas sempre, que “vivem
nas entrelinhas” em vez das linhas.